Expedição Aconcágua 2016
Chegou a hora! depois de uma tentativa frustrada no Aconcágua em 2011, meses de planejamento e treino, uma grana investida em equipamento e na própria expedição, era hora de tentar fazer o cume do Teto das Américas…
1° dia – 24 de dezembro
Depois de rodar quase 200 km de Mendonça de carro (meu 4×4 disfarçado de Uno) chegamos em Horcones, entrada do Parque do Aconcágua.
Apresentamos nosso permisso na administração do parque avisando que estaríamos subindo naquele momento, a Guarda Parque que nos atendeu, deu uma embaçada devido ao horário, eram umas 4 horas da tarde, mas, com um pouco de diálogo ela se convenceu que não faríamos nenhuma merda até chegar à Confluência.
Ansiosos que estávamos, eu e a Michelle estacionamos o carro e já colocamos o pé na trilha rumo ao nosso primeiro acampamento em Confluência. Subimos em um rítmo bom, levando 2:20 horas para chegar ao nosso destino. A subida até esse ponto é bem sinalizada e sem problema algum para chegar.
Como contratamos uma mula para levar todo nosso equipamento e mantimentos para o acampamento base de Plaza de Mulas, fomos obrigados a alugar também uma barraca em Confluência para passar uma noite.
A questão é que não vale a pena se desgastar levando todo bagagem até Plaza de Mulas, pois a subida da montanha realmente começa depois do acampamento base. Mas se vc mandou sua barraca pela mula precisa de algum lugar para dormir em Confluência, e se vc contratou uma agência para alugar a barraca, ela só vende o pacote completo para vc: barraca, jantar, café da manhã do dia seguinte e mais o lanche da trilha, esse é o pacote (pelo menos é oque a Inka ofereceu). Eu só queria a barraca, mas eles falaram que já tiveram problemas com clientes que queimaram a barraca em quanto faziam sua janta e por isso, hoje, a agência oferece as refeições para não ocasionar esse tipo de problema. Achei justo e coerente.
Em confluência todas as expedições ali eram guiadas, eu e a Michelle éramos a única “expedição” por conta, sem guia. As menores expedições eram compostas por 5 pessoas, outras tinham até 20 integrantes.
A noite que passaríamos em Confluência era dia 24 de dezembro, véspera de Natal e isso significava ceia de Natal.
Um dos cozinheiros chegou para nós e perguntou: “- o que vcs querem comer?”, eu meio desconfiado respondi: “-o que tiver”. Ele com um sorriso no rosto e muito simpático respondeu: “-vcs são vegerarianos? Comem carne? Podem escolher o que vcs quiserem”.
Na hora dei risada e falei: “-meu irmão, estamos na montanha e comemos qualquer coisa, ficar escolhendo o que vai comer nesse lugar é coisa de viado rsrs”. Acabamos caindo na gargalhada e ele voltou para cozinha dizendo que faria um prato especial para nós.
Realmente era uma ceia que nunca imaginamos comer na montanha, comemos tanto que fomos dormir passando mal.
2° dia – 25 de dezembro
Acordamos e rapidamente arrumamos tudo para começar a caminhar, o dia estava aberto, céu azul, pouco vento e temperatura agradável.
Tomamos um bom café da manhã e iniciamos nossa caminhada em Confluência por volta das 10 horas da manhã rumo a Plaza de Mulas.
Sabíamos que a caminhada seria bem longa, tentamos seguir em um passo firme, mas sem correr muito.
Após 1 hora de trilha o tempo começou a mudar, as nuvens tomaram conta do céu e o vento de uma hora para outra ficou muito forte, tínhamos que inclinar o corpo para frente para tentar não cair com a força do vento. Eu vi a Michelle tombar duas vezes pro lado com algumas rajadas mais fortes.
Playa Ancha é uma longa caminhada no plano, quando começamos a subir para Plaza de Mulas uma tempestade de neve nos pegou em cheio, tudo ficou branco, o céu, o horizonte e o chão, não conseguíamos nos orientar direito. Fui caminhando no que eu acha que era o caminho mais sem ter certeza de nada, não sei qual era a temperatura, mais sei que não sentia mais os dedos da mão mesmo com luva.
Por sorte achamos uns escombros de uma casa abandonada, achei que poderia nos abrigar ali mais não teve jeito, a casa estava muito destruída e não protegia de nada, tinha que continuar caminhando. Pelo menos, esse lugar me ajudou a achar um rastro da trilha.
Subida forte até o acampamento base, levamos 8 horas caminhando e estávamos exaustos. Eu só queria montar a barraca e colocar uma roupa quente, tanto eu quanto a Michelle estávamos muito cansados e desgastados pela longa caminhada e exposição ao frio.
3° dia – 26 de dezembro
Passamos o dia todo descansando, estávamos a 4.300 de altitude, queira ou não, já era uma aclimatação ficar ali…
O tempo estava péssimo! muito vento, frio e neve. Quase todo mundo intocado em suas barracas. Víamos o movimento quase que exclusivamente de guias ou pessoas que davam assistência às expedições pagas.
Desde ontem, eu e a Michelle estávamos por conta, a única coisa que podíamos pedir era informação sobre a previsão do tempo, mais nada!
Derreter neve para comer e hidratar, essa era a função do dia. Dentro da barraca já começamos a separar tudo que iríamos precisar lá para cima, pois a previsão do tempo para os próximos dias era animadora e não podíamos perder a janela de tempo bom.
O exame obrigatório com o médico de Plaza de Mulas passou sem problemas. Vimos muita gente saindo desse exame reclamando pois não tinha a liberação médica ainda para subir.
4° dia – 27 de dezembro
A previsão do tempo acertou na mosca! Amanheceu um dia lindo, céu azul e sem vento.
Corremos para aprontar nossas coisas e começar a subir. O que ia ficar deixamos em um “guarda volumes” da agência Inka.
As 11 horas iniciamos a caminhada com destino ao primeiro acampamento em Plaza Canadá a 4.910m, subida íngreme e cansativa.
Levamos 3 horas para vencer os 600 metros de desnível. Uma água e um lanche rápido e seguimos para nosso objetivo final nesse dia: Acampamento de Nido de Condores.
Faltando em torno de uma hora para chegar no acampamento o tempo fechou novamente. Vento, neve e muito frio, pelo menos, dessa vez, conseguimos enxergar para onde estávamos indo.
Chegando ao acampamento de Nido montamos a barraca o mais rápido possível para sair daquele vento e fazer alguma coisa quente para tomar, totalizando 7 horas de caminhada.
5° dia – 28 de dezembro
Dia de vagabundagem. Depois de levantar tarde ficamos o dia todo no acampamento derretendo neve, comendo e observando a galera que subia. Queríamos identificar o caminho que estavam fazendo porque faríamos o mesmo trajeto nessa noite.
Encontramos um rapaz e uma menina de São Paulo, ele estava com o olho que parecia uma batata de tão inchado que estava. Nos contou que no dia anterior tinha tirado o óculos escuro por 15 minutos para tirar algumas fotos, foi o suficiente para deixar ele com cegueira temporária. Viemos a saber mais tarde, que ele teve que sair de helicóptero de Nido de Condores pois já não tinha mais condições de descer caminhando devido à cegueira.
Final de tarde, eu e a Michelle estávamos bem ansiosos, mais algumas horas sairíamos para nosso ataque ao tão desejado cume do Aconcágua.
Algumas guloseimas, duas garrafas pequenas de Coca-Cola, e dois litros de água, isso foi o que separamos para cada um levar ao ataque pro cume.
6° dia – 29 de dezembro – Ataque ao cume
O programado era sair as 2 horas da manhã, é claro que atrasamos 1 hora nossa saída, mas tudo bem…
Caminhávamos em um rítmo constante, o suficiente para não suar e nem esfriar. Nos batemos um pouco na orientação mas depois de algumas horas, estávamos passando ao lado do acampamento Berlin.
Rumo ao acampamento de Cólera, o dia estava querendo amanhecer, e é nesse horário que o frio fica quase que insuportável. Os dedos doíam demais e o cansaço começou a bater um pouco.
Quando chegamos em Cólera vimos que o sol estava batendo em umas pedras atrás do acampamento, fomos até lá para nos aquecer um pouco e também descansar, estávamos caminhando a 4 horas e a altitude estava começando a cobrar do nosso corpo.
Assim que conseguimos nos aquecer, retomamos nossa caminhada, na subida encontramos um grupo de americanos, perguntei para eles se faltava muito pro cume e um deles respondeu em um espanhol muito ruim: “- 8 horas no mínimo”. Agradeci e falei para a Michelle: “-esses caras não sabem de nada”. Coitado de mim que vim a descobrir que os americanos não estavam enganados.
Meu estômago estava péssimo, vinha a vontade de vomitar mas eu já não tinha nada o que por pra fora, tomava um gole de Cola-Cola e seguia em frente.
Tava foda, o que eu achava que era o cume não era nada, lá na frente que fui achar o ponto de referência que fica próximo ao cume: a Canaleta. Várias pessoas que encontramos descendo estavam de piolet, achei estranho pois teoricamente era só o grampon que precisaríamos.
A Canaleta não foi difícil tecnicamente para subir, reparei que era nesse ponto que a maioria estava usando o piolet para ter uma segurança um pouco maior.
No final da Canaleta encontramos um guia brasileiro que conhecemos em Plaza de Mulas, “-e ai casal, não sabia que vcs tentariam o cume hoje, sabe que já esta tarde para fazer o cume né?”, eu de imediato respondi, “-mas o cume está logo ali”, o guia com um sorriso no canto da boca falou “-o “ali” vai mais 1 hora, no mínimo!”.
Olhei para a Michelle que também estava bem cansada, respirei fundo e continuei com o meu passo de tartaruga manca subindo a ladeira.
Na trilha, meu coração parecia que a qualquer momento ia sair pela boca de tão forte que batia. As pernas pesavam cada vez mais, assim como a mochila. Andava, andava e andava e parecia que eu não saía do lugar. Depois de achar por várias vezes que não ia conseguir chegar ao cume, eis que o avisto!
O nó na garganta de ver a cruz do cume é inevitável. Tanto esforço, sofrimento, dedicação, investimento e expectativa para chegar no Teto das Américas… Sim, ele era nosso!
As 16 horas do dia 29 de dezembro de 2016 eu e minha esposa Michelle chegamos juntos no cume do Aconcágua.
Infelizmente não pudemos ficar muito no cume. Deu tempo para tomar uma água tirar algumas fotos e começar a descer. O clima estava fechando e realmente estava muito tarde para estarmos ali.
Na descida passamos várias pessoas que não estavam bem, tinha gente até com oxigênio suplementar de tão mal que estava. Voltamos no piloto automático, apesar de nossa alegria de ter feito cume descemos quase o tempo todo em silêncio, concentrados em cada passo que dávamos, o cansaço estava consumindo nosso corpo, 13 horas de subida não foi fácil.
As 21 horas chegamos em nossa barraca no acampamento de Nido, o sol já estava se escondendo no horizonte. O máximo que conseguimos fazer foi trocar de roupa e tomar um caldo quente antes de se largar em nossos sacos de dormir.
7° dia – 30 de dezembro
Missão cumprida! Agora, o que mais queríamos era sair da altitude e do frio. A altitude não é um lugar super agradável, quanto menos tempo ficar nela, melhor.
As 11 horas da manhã estávamos com a mochila nas costas para descer, sabíamos que nosso objetivo de chegar em Horcones no mesmo dia ia ser foda, mas o desejo de tomar uma bera e comer papas fritas era maior.
Minha boca estava toda cortada e sangrando, meus pés tinham ultrapassado o limite de dor tolerável. A Michelle não estava diferente mas, mesmo assim, descemos o mais rápido que conseguíamos.
Chegando em Plaza de Mulas dividimos as tarefas, em quanto a Michelle separava o que íamos mandar pela mula e o que ia na nossa cargueira, eu fui correr atrás de algum mulero para negociar a descida dos nossos equipamentos por uma mula.
Em 1 hora estava tudo pronto, eu e a minha Lindinha voltamos a caminhar para pegar o triste retorno de Playa Ancha, caminhada interminável essa até confluência.
No meio do caminho encontramos 3 brasileiros que estavam subindo para o acampamento base do Aconcágua, todos ainda limpos e empolgados.
Em meio a conversa descobri que dois deles não tinham óculos apropriados para o vento. Mesmo sem conhecer os figuras emprestei os dois óculos que eu tinha para eles, deixei meu contato para devolverem depois no Brasil.
Segui com a Michelle até a entrada do parque onde chegamos as 22:30 horas, outra caminhada de 12 horas para completar nossa expedição.
Agradeço a Deus por tudo que nos proporcionou e por ter cuidado de nós. À família, mesma apreensiva estava na torcida.
O sucesso dessa expedição foi fruto da grande parceria que tenho com minha esposa Michelle, parceira, guerreira, teve todo o cuidado com nossa preparação física, estava junto comigo no planejamento e na execução dessa expedição, só tenho a agradecer vc minha Lindinha por ser minha grande parceira na montanha e na vida!!!!!
Olá, vi que fizeram toda a expedição em 7 dias, bem rápido. Vocês fizeram porteio? levando equipamento no campo acima e dormindo no acampamento abaixo? a Aclimatação foi boa? estou pensando em ir solo e gostaria de algumas dicas.
Já fez solo???
Olá Gustavo,
Não entendi direito a sua pergunta. Mas eu e a Michelle fizemos o cume sem guias. Utilizamos apenas as mulas para levar equipamentos até o acampamento base.
Qualquer dúvida é só dar um grito.
Um forte abraço.