Expedição Bolívia 2017

Expedição Bolívia 2017

8 de julho de 2017 1 Por Natan

Antes de sair para minha expedição do Aconcágua, eu já tinha alinhado com a piazada do NNM a expedição para a Bolívia na metade do ano. Estava acertado para essa viagem eu, Leandro e Alisson, em meados de março nosso amigo Lucas também confirmou sua presença. Essa seria a primeira vez que conseguiríamos reunir tantos integrantes do NNM em uma única expedição em Alta Montanha.
Nosso planejamento e preparação para a viagem correu sem problemas, cada um sabendo o que tinha que fazer e como tinha que treinar. Foram várias conversas e reuniões para deixar tudo alinhado até o dia da nossa partida.
Chegamos todos em La Paz na noite 08 de julho de 2017.

1 dia
Acordamos na cidade de La Paz há 3.800 metros do nível do mar se sentindo bem, pelo menos não estava estourando de dor de cabeça. Decidimos resolver os últimos detalhes, ainda na cidade, antes de partir para a montanha. Caminhar à 3.800m já seria o início da nossa aclimatação.

Não precisa nem dizer que durante todo dia a hidratação é fundamental.
Depois de passar o dia andando para cima e para baixo, o Leandro acabou dando uma boa ideia: andar de bondinho que vai do centro de La Paz até El Alto a 4.100m. Passeio que vale a pena pelo visual e também para ganhar um pouco mais de altitude.

Chegando em La Paz, Ilimani ao fundo com a lua nascendo.

Chegando em La Paz, Ilimani ao fundo com a lua nascendo.

Fila para pegar o bondinho de Del Alto para La Paz

Fila para pegar o bondinho de Del Alto para La Paz

La Paz a noite visto do bondinho.

La Paz a noite visto do bondinho.

 

2 dia
Não tínhamos muito tempo para aclimatar, então escolhemos fazer o Chacaltaya, montanha com 5.421 metros de altitude, o 5.000 mais fácil do mundo para subir, principalmente porque vai de condução até a estação de esqui onde começa a caminhada, está que se encontra há 5.395 metros de altitude.
A caminhada é muito tranquila e fácil, tanto que é um dos pacotes turísticos mais vendidos em La Paz. Para nós, o importante era aclimatar e curtir o visual das montanhas nevadas.

No caminho para Chacaltaya, parada na estrada para ver o Huayna Potosí.

No caminho para Chacaltaya, parada na estrada para ver o Huayna Potosí.

Estação de esqui onde começa a caminhada para o Chacaltaya, a esquerda o cume.

Estação de esqui onde começa a caminhada para o Chacaltaya, a esquerda o cume.

Cume do Chacaltaya.

Cume do Chacaltaya.

Ao fundo Huayna Potosí

Ao fundo Huayna Potosí

Nas Nuvens Montanhismo no cume do Chacaltaya

Nas Nuvens Montanhismo no cume do Chacaltaya

Leandro, eu, Lucas e Alisson.

Leandro, eu, Lucas e Alisson.

Passeio nas ruas de La Paz

 

3 dia
Acabou a mordomia. Hora de arrumar toda as tralhas e tocar para montanha.
Depois de um café da manhã às pressas, carregamos a van que nos levaria até a Vila Sajama, uns 350 km de estrada, levando em torno de 5 horas de viagem.
Sem problema algum para chegar ao nosso destino, apenas algumas paradas para dar uma mijada decorrente dos litros e litros de água que consumimos durante o trajeto.
Já na Vila Sajama e instalados, contratamos o transporte para nos levar até a base do Acotango, montanha com 6.052 metros, um bom começo para nossa expedição.

Todo mundo pronto, rumo a Vila Sajama.

Sajama

Os Payachatas.

Estrada que leva a Vila Sajama.

Estrada que leva a Vila Sajama.

Entrada do Parque Sajama.

Entrada do Parque Sajama.

Sajama ao fundo.

Sajama ao fundo.

Nosso dormitório.

Nosso dormitório.

Vila Sajama.

Vila Sajama.

4° dia

As 3:30 da manhã estávamos tomando café, um silêncio na mesa, todo mundo com sono e ansiosos para tentar subir nosso primeiro 6.000 da expedição.

O 4×4 que nos levaria até o Acotango saiu as 4 horas da manhã em ponto. A noite estava bem fria com pouco vento, raridade nessa região. Levamos 1h e 30m sacolejando dentro do carro até chegar ao ponto de partida da nossa caminhada.

Não era 6 da manhã quando começamos a subir a montanha. Todo mundo de lanterna, grampon e bem agasalhados, tentando esquentar o corpo. Alisson puxou a fila e eu fui por último seguindo os passos do Lucas que estava a minha frente.

Na primeira hora de subida a inclinação não é tão pesada, mais o suficiente para te tirar o fôlego. Um passo de cada vez e aos poucos íamos progredindo rumo ao cume.

Em um certo momento da caminhada a dupla Alisson e Leandro acabaram se distanciando na frente, eu e o Lucas ficamos para trás hidratando um pouco.

Depois da hidratação o Lucas pediu para esperar um pouco pois precisava descansar, e ali ficamos curtindo um amanhecer fantástico.

Logo que voltamos a subir reparei que o ritmo estava bem mais lento do que meia hora atrás. Fui na velocidade que o Lucas ditava.

Mais alguns minutos e ele pede para sentar e descansar novamente.

Gritei para a dupla da frente que continuassem a subida. Eu e o Lucas iriamos descansar e logo voltaríamos a caminhar.

À frente desse ponto onde paramos, tinha uma descida bem tranquila, quase que um plano. Eu, logo atrás do Lucas, conseguia contar quantos passos ele dava antes de parar para respirar. Exatos 3 passos de cada vez. Ali percebi que nossa tentativa de tentar fazer o cume do Acotango estava acabada, pois faltava muito chão para chegar ao cume.

Logo em seguida vinha uma subida forte para alcançar a crista da montanha, esperei esse ponto achando que o Lucas iria pedir para retornar. No início da subida perguntei: “-piá, vc tá bem?”, e ele, com um balanço de cabeça, confirmou “sim”.

Na subida, em vez de três passos antes de respirar, começou a dar apenas um passo, ali tive que comunicar ao Lucas que teríamos que baixar. Ele respondeu “-Não Natan. Vamos de vagarinho que eu consigo”, eu respondi: “-essa montanha é aclimatação Lucas, se não der para fazer o cume não tem problema, vamos baixar porque vc não está legal”. Relutante, ainda tentou argumentar comigo dizendo que ficaria ali esperando eu subir, ele não queria me tirar a chance de tentar fazer aquela montanha.

“Lucas, somos parceiros e não vou te deixar aqui, vamos descendo devagar e esperamos a piazada na estrada, lá nosso transporte vai estar esperando”.

Deixei ele deitado numa pequena ilha de terra envolta à neve. Subi até a crista para tentar se comunicar com o Alisson e o Leandro que continuavam a caminhar em direção do cume.

Quando aviste a piazada, eram apenas dois pontos pretos naquela imensidão branca. Gritar não adiantava, tentei por gestos mostrar que estávamos descendo.

A descida do Acotango não era o mesmo caminho da subida, tínhamos que descer por um grande vale que cruzava a estrada, e lá nosso transporte estaria esperando.

Retornei aonde tinha deixando o Lucas, de longe parecia um corpo morto no chão, não se mexia pra nada.

“Lucas, bora descer piá!!!”, ele nem se mexia. “ô vagabundo, vamos embora para tomar aquela gelada mais tarde”. Cheguei bem perto dele e com o meu pé cutuquei as costas do Lucas. Só com um empurrão mais forte que ele acordou.

“Lucas, tá vendo essa rampa aqui na nossa frente? Precisamos descer ela para chegar no fundo do vale, é íngreme e estamos sem piolet, se pendure na minha mochila e preste atenção em cada passo, não podemos escorrer se não nós dois estamos fudidos”, ele meio apático, male mal conseguindo ficar em pé, apenas balançou a cabeça com um gesto positivo.

Olhando aquela rampa de gelo não parecia que seria difícil descer, também não parecia que era tão longa assim.

Eu estava começando a ficar bem cansado naquela rampa. Tinha que ficar com os joelhos flexionados para ter mais firmeza em cada passo que dava, o peso do Lucas se pendurando nas minhas costas estava de fuder.

Fiquei bem preocupado e percebi que a situação era mais séria do que eu pensava. Falava com o Lucas e ele já não me respondia, vi que os passos que dava não tinham firmeza, de vez em quando torcia o pé por estar com as pernas moles, jogava quase que todo o seu peso em cima da minha mochila que ele vinha usando como apoio. Fiquei com o cu na mão quando olhei para trás e vi ele babando. E ainda estávamos naquela descida íngreme…

Eu não via a hora de terminar aquela ladeira! Precisava descansar e hidratar um pouco, minha boca parecia um plástico de tão seca que estava. Mais principalmente queria avaliar as condições que o Lucas estava.

Não sei quanto tempo levou para descer essa rampa, mas para mim, parecia uma eternidade. Quando conseguimos chegar em um pequeno plano coloquei o Lucas sentado e tentei conversar com ele, a única coisa que ele resmungava era “coração acelerado”, tentou falar mais algumas coisas que não entendi nada. Dei água para ele, esperei mais alguns instantes e retomamos a caminhada.

Andávamos em um vale não muito íngreme, até não estava ruim andar nesse terreno, mas nosso ritmo era muito devagar, passo por passo pro Lucas não cair. Eu estava tentando me cuidar o máximo possível, sabia que não poderia torcer um pé ou qualquer coisa que impossibilitasse de eu trazer o Lucas pra baixo. Se por algum motivo eu tivesse que deixa-lo ali para buscar ajuda, debilitado como ele estava, talvez não resistisse.

Durante a caminhada eu estava cuidando do sol, como estávamos dentro de um vale eu tinha medo do sol ficar por trás da montanha e nós dois tivéssemos que caminhar na sombra, isso faria a temperatura cair muito, e fraco como ele estava não tenho certeza se teria condições de continuar a caminhada.

Estávamos quase saindo do vale quando o tive que deixar deitado em umas pedras para tentar achar o melhor caminho para chegar na estrada.

Quando retornei ao local onde tinha deixando o Lucas, avistei o Alisson e o Leandro descendo. Graças a Deus encontrei a piazada, eu já estava muito cansado para continuar.

“Piazada, o Lucas está muito mal, precisamos tirar ele o mais rápido possível daqui”, no primeiro momento eles não viram a gravidade da situação, só foram dar conta quando viram o Lucas tentando ficar sentado. Ele precisou da ajuda dos dois para conseguir ficar em pé.

Alisson agora era o apoio do Lucas, eu e o Leandro descemos carregando a mochila do “moribundo”. Os dois também não estavam 100%, pois tinham acabado de fazer um cume de 6.000 metros, e ninguém desce serelepe de uma altitude dessas.

Nem acreditei que tínhamos conseguido chegar na estrada. Eu perdi a noção do tempo, pra mim deveria ser umas 5 horas da tarde, fiquei espantado quando me falaram que era 2:30 da tarde.

Nosso transporte não demorou a chegar, mais 1:30 estávamos chegando no refúgio.

Colocamos o Lucas na cama, demos água e tentamos fazer ele comer alguma coisa, mas ele não aceitou, apenas se largou em cima da cama e dormiu.

Eu, Alisson e Leandro nos reunimos para decidir o que fazer.

Por mensagem a minha esposa Michelle fazia a ponte entre nós, que estávamos na Vila do Sajama na Bolivia, e com o médico Douglas, que estava em Curitiba. Relatamos tudo o que tinha acontecido e a situação atual do Lucas. A resposta do médico foi clara: o Lucas precisava sair da altitude o mais rápido possível! Provável edema cerebral.

Alisson e Leandro queriam retornar comigo para La Paz, depois de muita conversa acertamos que eu retornaria com o Lucas para levá-lo ao hospital e os dois precisavam continuar a expedição do Nas Nuvens Montanhismo, não iria resolver em nada os dois juntos comigo.

 

Subida do Acotango.

Subida do Acotango.

O sol começando a querer dar as caras.

O sol começando a querer dar as caras.

Parada para hidratação.

Parada para hidratação.

Subindo ...

Subindo …

Payachatas ao fundo.

Alisson e Leandro no cume do Acotango.

Alisson e Leandro no cume do Acotango.

5° dia

Ao amanhecer eu e o Lucas estávamos embarcando para La Paz. A expedição para nós dois tinha acabado.

Nossa prioridade, assim que chegasse na cidade, seria ir ao hospital. Mesmo sendo na região “rica” da cidade o atendimento não foi lá aquelas coisas. A pressão do piá estava 8/6 e o médico não falou nada sobre isso.

La Paz está à 3.800 metros do nível do mar, muito alto ainda para quem estava naquela situação.

Tentamos sair da cidade de avião, mas fomos informados que não tinha nenhum voo para os próximos dias.

Não pensamos duas vezes. Ônibus para Santa Cruz, 18 horas de viagem nas estradas da Bolívia. Que grande merda ter que fazer aquilo. Mas de Santa Cruz no mesmo dia pegamos um avião para São Paulo e logo em seguida para Curitiba.

Só relaxei quando o avião aterrissou no Afonso Penna. Estava angustiado com a saúde do Lucas. Queira ou não, ele estava sob minha responsabilidade. Sabe Deus o que podia dar nele no caminho para casa.

Dias depois ele fez vários exames para saber como estava, descobriu que no resultado do eletrocardiograma deu uma alteração no batimento cardíaco.

Essa é uma situação que nunca mais quero passar, ver um dos seus grandes amigos em situação de vida ou morte, dependendo de vc para tirar ele da roubada, é muita responsabilidade.

Sou privilegiado por ter parceiros casca grossa pra cacete. Tenho certeza que se fosse eu no lugar do Lucas, iriam me tirar de lá sem sombra de dúvida.

Alisson e Leandro fizeram mais um 6.000 na região do Sajama, infelizmente o tempo piorou muito e eles não puderam prosseguir com a expedição. Sei que o meu retorno com o Lucas, queira ou não, deixou todos abalados, mais o importante é que todos nós voltamos bem para casa.

Vida longa ao Nas Nuvens Montanhismo!!!!!