Travessia Taipa, Ferraria e Ferreiro de ataque
“Naquele momento eu me sentia como um inseto preso em uma grande teia de aranha”.
Hoje pela manhã quando acordei para levar a minha esposa Michelle para o trabalho, me deparei com aquele dia perfeito para estar na montanha. Enquanto ela se arrumava eu separava o mínimo que eu precisava para caminhar, nem deixei ela perceber que estava levando duas mantas térmicas no caso de eu precisar fazer um bivaque de emergência, sabia que iria me pegar no pé.
Tomamos café juntos, deixei ela no trabalho e toquei direto para a Fazenda Rio das Pedras na região do Pico Paraná.
Sabia que estava tarde para fazer a caminhada que eu queria, Taipa, Ferraria e Ferreiro voltando pela Conceição, é uma pernada pesada e longa. O meu agravante era que meu crux estava entre o Ferraria e Ferreiro, não tinha feito esse trecho ainda, sabia que a trilha não estava tão boa, fora que também não sabia se a trilha tinha sido finalizada pela galera do LDI (Loucos do Ibitiraquire). No pior das hipóteses faria um bivaque de emergência para passar a noite.
Enquanto me arrumava no estacionamento da fazenda encontrei o Roniel, pronto para acampar no cume da montanha com sua amiga Elen. Conversamos um pouco sobre sua estadia recente em Chaltén enquanto eu terminava de arrumar a mochila.
As 10:40 da manhã depois de fazer o cadastro no trailler do IAP e me despedir do amigos, segui rumo ao Getúlio. O tempo estava ótimo, céu azul e por incrível que pareça não estava muito quente. Passei pela bifurcação entre o Pico Paraná e Caratuva e parei um pouco adiante, no rio onde começa a trilha que leva para o Taipa, olhei no relógio: 11:55. Coloquei como meta para chegar no Ferraria com um tempo seguro às 4 horas da tarde; se chegasse até esse horário eu continuaria até o Ferreiro. Me abasteci com 4 litros de água, como não tinha certeza se encontraria mais algum ponto de água pela frente, achei melhor me garantir.
A trilha até o Taipa estava muito boa, sem roubadas e aberta o suficiente para andar rápido. Levei 50 minutos até o cume e lá fiquei parado quase 1 hora, aproveitando o visual e analisando a junção do Ferreiro e Ferraria.
Na descida para o Ferraria encontrei água em abundância. Eu já conhecia aquele córrego, mas como já tinha tomado na cabeça em outra situação quando o mesmo estava seco, levar 4 litros de água nas costas desde o último rio era prevenção.
A trilha até o cume do Ferraria também estava bem tranquila, no fundo do vale o mato baixou um pouco e foi preciso rastejar para passar, mas nada que atrapalhasse o ritmo da caminhada.
Mesmo não estando na minha melhor forma consegui fazer em 80 minutos o trecho entre essas duas montanhas, assim meu cronograma se mantinha. Agora era a hora de saber se conseguiria concluir a travessia ou teria que retornar todo o caminho.
Tentei contato com a Michelle, pelo celular, mas não consegui; mesmo no cume do Ferraria e aparecendo alguns pontinhos de sinal a ligação não completava.
Me aprontei e pontualmente às 16 horas comecei a descida. Achei um rastro no campo que levava em direção ao Ferreiro, segui esse rastro que tinha, em alguns pontos, umas sacolas brancas marcando o caminho, uma errada aqui outra ali, mas não dava para perder o rumo.
Eu não estava longe do colo, mas de uma hora pra outra a trilha parou. Fiz um balão em volta desse ponto para tentar achar a continuação da trilha mas não achei nada. Nessa de tentar achar a trilha acabei achando um pequeno vale, não sei nem se esse vale aparece na carta topográfica de tão pequeno e raso que é, mas por ser limpo achei uma boa opção para descer e ganhar tempo.
Quando cheguei no colo o pequeno vale acabou, dali em frente a única opção era varar mato. Fundo de vale e colo entre montanhas é sempre igual, mato muito fechado e ruim para se orientar. O pouco que ia progredindo era em cima da bússola do relógio que me dava pelo menos o rumo que eu tinha que seguir.
Já eram 5 horas da tarde, eu ali preso naquele emaranhado de mato não conseguia dar um passo sem precisar fazer uma força descomunal. Enquanto descansava um pouco pendurado naquelas taquaras. A única coisa em que pensava era: “preciso chegar no cume do Ferreiro sem me machucar, nem que eu leve horas para subir, mas preciso sair daqui sem me machucar, se precisar de resgate aqui eu tô fudido”.
Naquele momento eu me sentia como um inseto preso em uma grande teia de aranha.
A teia era um enorme emaranhado de bambus e taquaras que, quanto mais eu me mexia mais preso parecia ficar. Depois de xingar um pouco, achei melhor parar e pensar melhor. O que eu iria fazer?
Peguei o celular para saber se tinha sinal; precisava avisar que não sabia que horas iria chegar em casa, ou se chegaria ainda hoje… Eram 5 horas da tarde e eu ainda estava no colo entre o Ferreiro e o Ferraria, cansado por toda a caminhada que já tinha feito, além de estar varando mato a algum tempo e com probabilidade de varar muito mato ainda.
Como já imaginava o celular não dava nem prá mandar mensagem, eu precisava chegar no cume do Ferreiro para conseguir comunicação e avisar que estava tudo bem.
“Preciso chegar no cume do Ferreiro sem me machucar”. Foi repetindo isso e com toda a calma do mundo que fui me livrando daquela teia.
Quando o terreno começou a ficar mais íngreme a vegetação deu uma trégua, logo na frente eu vi que voltava a fechar novamente, mas pelo menos agora eu tinha uma mata fácil para caminhar pelo menos em curva de nível, era o que eu precisava para tentar encontrar a trilha. Andei para a direita e para esquerda por muitos metros tentando achar alguma coisa, algum rastro ou marcação, mas não achei nada.
Então peguei o rumo na bússola do relógio e toquei em linha reta para cima. Não tinha como sair em outro lugar que não fosse o cume; o único problema era o tempo que eu levaria para fazer isso, fora o esforço físico que ia me custar.
Com fones de ouvido curtindo o Rappa, varando aquele mato infernal, olhei para cima e vi um ponto amarelo, subi em uma árvore e realmente tive a certeza, tinha uma fita amarrada na árvore a uns 10 metros na minha frente. “Graças a Deus!”. Na hora respirei aliviado. Chegando na fita encontrei uma trilha cruzando em curva de nível. Peguei à direita, ainda seguindo em diagonal, e mais à frente a trilha seguiu prá cima rumo ao cume.
Quando cheguei no cume o sol ainda estava alto, era 17:40, ainda tinha luz o suficiente para chegar no carro sem precisar usar a lanterna. De um cume ao outro levei 1:40, mas para mim pareceu uma eternidade.
Avisei minha esposa que chegaria para janta e desci a trilha do Ferreiro cuidando aonde pisava, pois essa região tem mais cobras do que o normal e eu não queria que desse merda logo no final da trip.
O Nas Nuvens Montanhismo abriu uma nova rota para o Ferreiro em julho de 2006, época que estávamos abrindo muitas trilhas na serra, pela falta de uso essa trilha fechou, mas veio a ser reaberta pelo pessoal do LDI. O legal foi que conseguiram seguir pela mesma linha que tínhamos aberto no passado, tanto que muitas das fitas amarelas de sinalização que colocamos ainda estavam lá. No finalzinho, um momento de nostalgia ao chegar na Cachoeira dos Putos (queda d’agua que batizamos quando fizemos as primeiras investidas naquela montanha).
Quando cheguei no carro começaram a cair os primeiros pingos de chuva. Bem na hora, pensei. Deus é bom o tempo todo: além de me tirar da roubada, ainda cheguei a tempo de não precisar me molhar.
Caminhada fantástica que recomendo.
Agora já tenho as informações que precisava para o próximo projeto!!!!
Parabéns pela relato show!
Meu amigo Israel, precisamos marcar aquela pernada juntos!!!
Um forte abraço
Velhos tempos dos relatos de aventuras. Muito bom!!!
Abraços!
Grande Gava,
Mesmo que passe o tempo não podemos perder a essência do montanhismo tradicional e sempre lembrar das nossas raízes.
Um forte abraço
Muito bom teu relato, parabéns pela caminhada! Uma dúvida: tem trailer do IAP na região agora? A fazenda rio das pedras cobra por carro ou pessoa? Fiquei anos afastado da montanha, fui até o Caratuva mês passado e parei no Dilson mesmo, como antigamente.
Blz Eduardo,
Sobre a caminhada, recomendo, lugar fantástico.
Hoje vc tem opção de deixar no Dilson ou no Rio das Pedras. No Dilson é cobrado 15 reais por pessoa. No Rio das Pedras é cobrado 10 reais o carro.
Eu particularmente deixo no Rio das Pedras, com o proprietário Seu Rau que ajudou e ajuda muito os montanhistas e os voluntários que trabalham pelas montanhas.
A direita da entrada da Fazenda Rio das Pedras foi colocado um trailer do IAP com pessoal 24 horas para fazer cadastro e atender os visitantes, o pessoal ainda está se adaptando em usar essa entrada da trilha pois é bem ressente.
O Dilson não está colaborando em nada com o trabalho do IAP e nem dos voluntários, tanto que fez uma trilha secundaria saindo da propriedade dele para desviar o trailer.
Recomendo em fazer o cadastro no trailer, dali já tem uma trilha que acessa o caminho que leva as montanhas, acho que precisamos fazer a nossa parte junto ao IAP, dessa forma ajudamos nossas montanhas.
Um forte abraço e boa caminhada Eduardo.
Natan
Parabéns pelo relato e pela determinação! Me tire uma duvida se possível, eu e meu grupo temos a intenção de ir para o Taipa na nossa próxima trilha, estivemos no Caratuva no dia 11/03/18, e a única indicação de uma possível trilha para o Taita é uma trilha meio escondida com uma marcação de fita verde que começa em córrego, é isso mesmo, se não for tem alguma outra indicação?
Obrigado
Bom dia amigo, estou pensando em fazer esta trekking no fim de semana, só que eu iria voltar pelo mesmo caminho depois do ferreiro, percebi nos seus relatos que vc desceu direto dele, essa trilha que vc comentou ser reaberta em 2006 é bem marcada, onde ela sai?
Desde já agradeço.
Grande abraço.