Fenda 2
Com um sequência de sol e céu azul no Marumbi não dava para perder muito tempo. Eu ainda estava cansado e fadigado da via que tinha escalado no dia anterior, mas como já tinha me comprometido em escalar neste sábado com dois amigos, não podia dar pra trás.
A poucas semanas escalei a Fenda 1 e fiquei bem animado para entrar na Fenda 2, essa que acabou de ser regrampeada.
Logo cedo comecei a caminhar com dois parceiros, o Guido era a primeira vez que escalava comigo, e a Carol parceira a mais de uma década literalmente.
Caminhamos em um bom ritmo até a Pedra do Amendoim que fica na base das vias da Esfinge, lá eu tinha deixado todo meu equipamento de escalada que tinha utilizado no dia anterior.
A Fenda 2 da Esfinge é uma escalada clássica do Marumbi e por muito tempo estava meio abandonada devido as proteções precárias.
Gosto bastante de chaminé e fenda, segundo meu parceiro Juliano eu tenho um gostinho “estragado” por gostar desses buracos rsrs.
Seguindo o croqui a primeira enfiada é inteira em artificial, esse primeiro trecho é também a primeira enfiada da Fenda 1. A diferença que quando chega na primeira parada, se pegar a esquerda vai para a Fenda 1 e para direita segue em direção a Fenda 2.
Para o Guido escalar em A0 era novidade, eu já sabia que esse primeiro trecho não apresentava complicações sugeri dele puxar a primeira enfiada.
Apesar de ser a primeira vez escalando em artificial Guido puxou os primeiros metros sem apresentar problema algum, eu e a Carol subimos logo em seguida tentando agilizar ao máximo a escalada.
Comecei a guiar o próximo trecho, eu sabia que a P1 real da Fenda 2 é um pouco mais a direita e não deveria estar muito longe dali. Segui no trepa mato até que identifiquei uma parada logo acima. Escalar entre aqueles bambus com peça movél no rack não é muito fácil, sempre tem alguma coisa que enrosca. Da parada onde cheguei até a parada onde estava o Guido e a Carol devia ter um pouco mais que 20 metros. Enquanto dava segurança para os dois fiquei analisando a continuação da via, pois a minha frente deveria ter uma chaminé ou fenda e não uma parede com lances em livre. A uns 15 metros da onde eu estava avistei outra parada, na mesma altura, mas aquela sim estava debaixo da Fenda 2. Não sei de qual via era aquela parada que eu estava, pois era uma escalada aparentemente com proteções fixas entre as duas fendas. Perdemos um tempinho mas conseguimos chegar na P1 certa da Fenda 2. Dali pra cima foi só ralação!
Os próximos 50 metros era uma mistura de chaminé, canaleta, vara mato e parede suja. As chapas novas se misturavam com os grampos antigos da conquista.
O calor estava castigando um pouco, eu arrastava minha mochila pendurada na solteira apenas com água, comida e o celular, estava leve mais incomodava muito.
Na P2 eu escutava os gemidos e xingamentos da dupla de escaladores enquanto subiam. Ali fiquei namorando a próxima enfiada que não parecia ser nada simples, pelo croqui mais dois esticões para finalizar a Fenda 2, então resolvi deixar minha mochila pendurada na parada dupla.
Realmente a terceira enfiada não foi fácil, ainda bem que tinha deixado a mochila lá em baixo, assim tinha mais liberdade para me movimentar naquela parede que hora estreitava, hora alargava ou com alguns movimentos mais delicados, além de duas grandes touceiras que acabei mandando para baixo porque desprendera-se da parede.
Pra mim que estava concentrado no que estava fazendo nem percebi o tempo passar. A minha esposa Michelle que estava tirando algumas fotos na trilha Noroeste do Abrolhos bem na frente da Fenda 2, me falou que eu levei 1 hora para fazer essa enfiada inteira, foram praticamente 60 metros de ralação.
Chegando na P3 armei a segurança dos meus companheiros que logo estavam comigo na penúltima parada.
Agora vinha a parte mais difícil da via, coloquei o Camalot 6 na cadeirinha e voltei a ralação, logo acima depois de passar alguns bambus cheguei na base do offwidth. Na base tinha uma chapa nova, olhando dentro daquela enorme fenda não vi lugar algum para proteger, por alguns segundos me passou pela cabeça em não entrar naquela roubada, pois se na metade do caminho eu não conseguisse subir por algum motivo estaria em uma grande merda.
Antes que eu desistisse de escalar entrei um pouco dentro fenda e gritei para os companheiros com uma certa ironia “vcs vão amar essa enfiada! “. Com as pernas bem abertas comecei a subir, alguns metros acima tentei achar uma posição para descansar mas o pé escorregava naquela parede suja, a melhor forma para travar e respirar um pouco era fazendo uma alavanca com o braço tipo asa de galinha. Depois de subir um pouco mais que a metade encontrei um grampo lá em cima, na saída do offwidth, tentei por várias vezes entalar a peça 6 que estava comigo, mas em nenhum ponto ela chegava encostar nas laterais da parede, talvez se eu fosse mais para o fundo conseguiria proteger com o camalot, mas em contrapartida seria mais difícil ainda pra ganhar altura dentro daquele lugar apertado. Faltando uns 4 metros para chegar na chapa fixa eu estava esgotado, ensopado de suor, meu olho esquerdo não enxergava direito do suor misturado com a sujeira que eu vinha levantando enquanto me arrastava naquela parede suja, tive que me concentrar e tirar mais um pouco de força para chegar pelo menos na próxima proteção.
Depois de descansar pendurado naquela chapa que lutei um bocado para conseguir alcançar, faltava apenas alguns metros para chegar na parada dupla. Usando um móvel para proteger logo alcancei o final da Fenda 2.
Guido e Carol iniciaram a última enfiada, hora eu retesava uma corda, hora retesava a outra corda enquanto escalavam em simultâneo. A Carol foi a primeira a entrar no offwidth, logo em seguida o Guido, de repente eu só conseguia recolher a corda da Carol, o Guido estava se batendo para se encaixar em um lugar tão estreito. Em pouco tempo e depois de muita ralação dentro da fenda a Carol se juntou a mim, nosso companheiro lá embaixo estava se esforçando, mas o cansaço, o desgaste físico e sendo a primeira vez que escalava em um lugar como aquele, acabou forçando o Guido a ficar na base do offwidth.
Fenda ruim como essa só peguei na Fenda Principal do Abrolhos, que na verdade é bem mais apertada e ruim de progredir. Mas sem dúvida foi muito divertido escalar a Fenda 2.
Final de tarde, tínhamos 1 hora de luz e queríamos chegar no chão sem precisar usar as lanternas. Fui o primeiro a rapelar, desci até a base do offwidth onde o Guido esperava, chegando nesse ponto parei para puxar a corda que acabou caindo dentro da fenda por detrás de uma pedra entalada, não puxei muita corda quando ela engatou. Balancei, puxei com cuidado, pedi para Carol puxar a corda por cima, tanto eu quanto o Guido tentamos de todas as formas tirar a corda que estava entalada, mas não tivemos sucesso.
Entrei novamente na fenda para tentar acessar a corda presa no fundo, no meio do caminho meu peito entalou e não consegui nem chegar perto. Guido mais magro do que eu fez a sua tentativa, e sem respirar direito conseguiu acessar onde enroscou a corda. Ufa … depois de muito trabalho do Guido ali apertado ele conseguiu liberar o cachorro que estava na corda e assim liberando a mesma pro rapel.
Descemos até a P3, já estava quase escuro e eu precisava chegar na P2 onde eu tinha deixando a minha mochila, pois a lanterna estava lá. O ideal talvez era fracionar esse rapel para não enroscar em nada, já que era uma descida de 60 metros no meio de fenda, grampo velho e muito mato, mas como meu saco já não estava lá aquelas coisas e agora corria contra o tempo acabei descendo de uma só vez.
Chegamos na P1 sem problemas, o sol já tinha ido embora e bateu uma grande dúvida. Rapelar até a primeira parada dupla depois do artifício seria muito ruim, pois eram poucos metros na questão de altura, mas era uma transversal bem grande de uma parada dupla a outra. Será que se descêssemos em linha reta a corda daria até o chão?
Era um risco, mas achei que valia a tentativa. Alinhei bem a corda e iniciei o rapel no meio de todo aquele mato, o chão parecia estar longe ainda, mas tinha um bom tanto de corda. Quando a parede ficou mais vertical, na altura da copa das árvores, joguei o resto de corda que tinha, mas ainda não tinha certeza se chegava até o chão. Como muito cuidado fui descendo e assim que passei as árvores mais altas consegui enxergar a ponta da corda, faltava talvez uns 4 ou 5 metros para encostar no chão.
Eu não ia subir tudo de novo nem fudendo … olhei para direita e vi que a trilha ganhava mais altura e tinha uma árvore grossa que estava mais na horizontal do que na vertical, era ali mesmo que desceria, só precisava fazer um pêndulo para alcançar o lugar que queria e torcer para que a ideia desse certo.
De pé em cima do tronco faltando 2 palmos para acabar a corda gritei para os dois lá em cima “corda livre”. Fiquei ali esperando os dois terminarem o rapel para não ter nenhum tipo de problema. Guido foi o último a rapelar, fiquei ali para ajudar para quando liberasse o freio a corda não desse uma estilingada e perdêssemos a ponta da corda.
Escaladores e corda no chão, todos seguros e inteiros, talvez mais sujos do que o normal, mas todos cansados e contentes pelo belo dia de escalada que tivemos no Marumbi.
Guido mandou muito bem, escalar no Marumbi não é fácil, principalmente em uma via como essa. Carol é parceria antiga, sempre muito animada independente da roubada, companheira que não precisa se preocupar que sempre se vira na hora do aperto.
O Marumbi é espetacular, seja escalando ou caminhando vc sempre vai voltar com uma boa história e uma grande experiência …