Os 9 cumes do Marumbi
Nós dias de hoje está bem difícil manter uma programação de montanha … na escalada piorou. Se não é um decreto, uma área fechada … é a chuva que acaba atrapalhando tudo.
Já faz um tempo que deixei de lado qualquer tipo de planejamento, mesmo odiando essa situação. Cada semana é uma semana, cada dia é um dia, e assim venho me adaptando ao caos para não parar.
Sábado de feriado e ainda não tinha certeza do que faria, somente no final do dia resolvi encarar a travessia da Serra do Farinha Seca.
Nas últimas vezes que estive na montanha, foi contrariando a previsão do tempo e, dessa vez não foi diferente. Estava contando com a sorte para que o tempo não estivesse tão ruim como dizia, e lá fui eu com a cargueira nas costas e abastecido para os próximos 3 dias com a Luciana. Nos primeiros 20 minutos subindo o Mãe Catira eu já estava ensopado de suor, o tempo abafado e quente deixava o lugar parecendo uma sauna ao ar livre. Quando deu quase uma hora de caminhada e vi o céu escurecer, foi o último sinal que precisava para saber que não era o momento de entrar em uma travessia, conversei com a Luciana e achamos mais sensato abortar aquela caminhada. Claro que abortaria “aquela” caminhada, mas isso não significava voltar para casa.
Tocamos para o Marumbi com o objetivo de fazer uma pernada que já fazia algum tempo que a Luciana estava me intimando para fazer, os 9 cumes do conjunto.
No dia seguinte já instalado no Marumbi …
Seria um ataque pesado, teoricamente não era pra levar tanto tempo e por isso resolvi descansar um pouco mais. Prefiro voltar a noite do que madrugar.
Era 9:50 horas da manhã quando iniciamos a caminhada na Estação. A Luciana preferiu fazer o Rochedinho por primeiro, se fosse para deixar por último provavelmente eu não ia querer fazer. No cume o visual animava, dia perfeito para uma caminhada como essa.
Seguindo pela Frontal logo saímos da trilha principal para encarar o Pau do Maneco, caminho esse íngreme e mais exigente tecnicamente. Pedra solta é a maior preocupação nessa trilha, sempre instável e ainda com o agravante de muita árvore caída pelo caminho.
Chegando no Vale dos Ovos o lugar estava irreconhecível, mal dava para identificar a trilha, reconhecer o ponto de saída da antiga trilha era impossível. Eu já tinha uma noção para que lado ficava o cume do Facãozinho, só precisava desviar do vale e pegar a crista que levava ao cume. Varando aquele mato que cresceu muito da última vez que passei ali, fui seguindo em meio a vegetação bem fechada até alcançar a crista. Desse ponto em diante a vegetação da uma trégua e a orientação fica mais fácil. Mesmo sofrido, em pouco tempo chegamos ao cume do Facãozinho, mas isso já era 13:30 horas.
No retorno para o Vale dos Ovos não consegui voltar pelo mesmo caminho, não deixamos quase nada de rastro e isso dificultou o retorno que foi por outro caminho. Nessa acabamos encontrando uma barrica e alguns pertences antigos incrustados na mata, recolhemos algumas coisas e continuamos o retorno para a trilha principal.
Estava todo contente em voltar para a trilha que dava acesso ao Boa Vista com a ilusão que agora a caminhada iria render. Não andei 5 minutos e perdi o rastro da trilha novamente. A função de procurar o rastro de uma trilha que era bem batida foi até a metade do Boa Vista. O caminho só foi dar uma melhorada depois de passar por um aglomerado de pedras bem mais alto do que o Vale dos Ovos, somente ali a caminhada começou a fluir melhor.
Quando chegamos no cume do Boa Vista e olhei o relógio não acreditei muito em que horas eram, 16:00 h, tarde para onde estávamos, mais principalmente para o que ainda queríamos fazer.
Meia descansada e retomamos a caminhada. Conversei com a Luciana e combinamos que se esse trecho da Pedra da Lagartixa não rendesse teríamos que abortar o planejado e descer pela Frontal.
A trilha não estava lá aquelas coisas, mas nem se comparava com o que pegamos para chegar no Boa Vista. Quando estávamos próximos ao cume do Olimpo vimos o céu escurecer. Uma tempestade se aproximava bem rápido. “Luciana, vamos tocar o pau e passar o cume do Olimpo, logo a frente tem um lugar que podemos ficar mais protegidos esperando a tempestade passar” – comuniquei.
No cume do Olimpo não ficamos 5 minutos para tomar uma água e tirar algumas fotos e seguimos para o abrigo. Uma pedra negativa bem confortável para ficar um pouco antes do cruzo das trilhas Frontal e Noroeste era um bom lugar para esperar a chuva passar. Em quanto comíamos alguma coisa vimos a tempestade passar muito próximo de nós, mas não chegou a pegar o conjunto do Marumbi.
Luciana toda empolgada pra mim, “Bora que ainda dá para fazer os 9 cumes”. Eu já estava ali mesmo e agora era eu queria finalizar aquela pernada, não queria mais ver a Luciana me perguntando quando que a gente faria os 9 cumes do Marumbi.
Quando passamos pelo cume do Gigante parecia que não pegaríamos mais visual nenhum, tudo branco e aquela meia luz do final de tarde não dava muitas esperanças de chegar no cume da Torre dos Sinos ainda com luz.
Me bati um pouco para achar a entrada da Torre dos Sinos, as chuvas dos últimos tempos e quase ninguém caminhando na serra fez com que o mato tomasse conta das trilhas. Na descida íngreme e tentando escapar dos bambus e dos capins navalhas escutei a Luciana gritando quase que desesperada “A cobra Natan, a cobra está indo na tua direção”. Eu estava tão preso pelo mato que não conseguia nem me virar para ver aonde estava a cobra. Não demorei muito para conseguir escapar do mato, mas quando finalmente consegui me virar e tentar achar o motivo de desespero da Luciana já não tinha mais nada. Acredito que a cobra devia estar fugindo e não vindo atrás de mim, pelo menos é isso que imaginei.
Depois de mais um vara mato chegamos no cume da Torre dos Sinos as 18:30 h com um visual incrível. Não dava vontade de sair dali, queria ficar e terminar de ver o pôr do sol, mas ainda tinha um bom trecho antes de chegar na vila do Marumbi.
Ainda conseguimos chegar no cume da Ponta do Tigre sem precisar de lanterna. O calor que passamos durante o dia todo, agora dava lugar ao vento gelado.
A subida da Esfinge pela sequência de cordas fixas em meio ao barro e a escuridão da noite deixou a subida mais divertida. No cume foi o tempo de tirar algumas fotos e tomar água, o vento gelado e a vontade de finalizar aquela caminhada tocou a gente do cume bem rápido.
A descida do Vale das Lagrimas precisava de muita atenção, não era o lugar e nem o momento para se machucar … na verdade, nunca há momento para se machucar quando se está na montanha.
Estávamos bem animados na subida do Abrolhos, apesar do cansaço e do desgaste físico a caminhada ainda estava em um bom ritmo e o melhor, era a última subida e o último cume.
Chegamos no cume do Abrolhos às 21 h, a noite estava linda e a temperatura já estava mais amena, se não fosse a fome e o horário tínhamos ficado mais tempo aproveitando o cume.
À 22:10 h retornamos ao nosso ponto de partida, dia longo, cansativo, mais muito satisfatório, passar 12 horas caminhando no Marumbi passando por seus principais cumes não tem preço.
Massa, grande jornada. Parabéns
Que maravilha de aventura. Parabéns ao casal.