1 Travessia, 27 horas, 13 montanhas

1 Travessia, 27 horas, 13 montanhas

16 de maio de 2015 14 Por Natan

Eu tenho amigos que são engraçados, você pode dar a ideia mais idiota possível que eles não pensam duas vezes e aceitam.

Na última quarta-feira à noite em quanto corria na esteira com o Alisson, perguntei sobre darmos uma pernada boa no próximo final de semana, para começar a temporada desse ano. De imediato ele aceitou.

A “retardadice” dessa vez era entrar na travessia Alfa Ômega de ataque descendo pela trilha Noroeste do Marumbi. Até hoje essa travessia foi feita apenas uma vez de ataque em 2011 descendo pela Freeway até o vale dos Ovos e finalizando pela trilha do Pau do Maneco. Neste ataque estava: Natan, Alisson e Vinicius. Durou 17 horas.

Já fazia alguns anos que eu não andava por aquela região e não sabia qual era a real situação da travessia, apenas comentários de algumas pessoas que passaram por lá.

Não tinha muito o que planejar ou organizar, já sabíamos que não dava pra levar muita coisa. Andar leve, comida, roupa quente, kit 1° socorros, maquina fotográfica e uma rede de selva caso desse alguma merda e tivéssemos que dormir no caminho ou esperar um possível resgate.

Sexta feira 10 horas da noite Juliano e Xandão nos apanham conforme o combinado e nos deixaram no Sítio do Sr. Zezinho (acesso ao Morro do Canal). Durante o percurso quando saímos da BR 277 e pegamos a estrada de terra o tempo piorou de vez. Garoava forte e fazia um frio convidativo para esquecer aquela pernada e voltar para calor das cobertas.

Eram 11 horas da noite quando olhei o relógio do GPS, a garoa parecia que não ia dar uma trégua e a cada minuto eu pensava: “ tenho que aguentar até amanhecer, a manhã a previsão é pra aqueles dias de céu azul e vai ficar tudo tranquilo”.

Nosso planejamento era caminhar por 24 horas até a Estação Marumbi, inclusive estava tudo alinhado com o Juliano e Xandão, pois o resgate de carro dependia deles.

Para não haver tanto desgaste, começamos a caminhar em um ritmo tranquilo. Próximo ao cume do Canal ventava muito, garoa, e frio. Pelas circunstâncias achamos melhor passar batido pelo cume do Vigia, Zanlute e parar apenas no pé do Carvalho.

Até esse ponto tinha dado 3 horas de caminhada, fizemos um chá bem quente para espantar o frio e continuamos com o objetivo.

Estávamos bem concentrados na caminhada e na trilha, não queríamos errar o caminho para não perder tempo e poupar energia e a conversa fazia o tempo passar mais rápido. Passamos pelo cume do Carvalho, Mesa e Sem Nome sem problemas. A trilha estava boa, porém mesmo assim perdíamos o rastro em pontos “estranhos”. 

Entre o vale do Sem Nome e Alvoradas começou amanhecer e o frio estava de trincar principalmente porque já estávamos molhados da cabeça aos pés. Enquanto fazíamos mais um chá quente, não teve jeito, o sono veio com força. Tentava me manter acordado, mais cada mordida que dava no sanduíche, vinha uma cochilada. Meia hora foi o tempo que passamos ali sentados descansado. Onde estávamos não tinha mais volta e o negócio era levantar e começar  acelerar o passo para terminar o quanto antes a dita travessia.

No segundo cume dos Alvoradas ligamos para o Juliano que nos avisou: “Piazada, são 8 horas da manhã e aqui em Curitiba o tempo tá todo cagado, a ideia de subir o Marumbi e esperar vocês no cume do Olimpo foi abortada, esperamos vocês na Estação Marumbi as 8 horas da noite”.

Eu e o Alisson não esperávamos aquele tempo de merda, mas agora não tinha mais o que fazer a não ser aproveitar o dia enquanto estava claro.

A caminhada rendeu bem até chegarmos um pouco antes do vale entre o Chapeuzinho e o Chapéu, ali perdemos quase 2 horas para se orientar e conseguir chegar no campo entre o Chapéu e o Espinhento, até ali já somávamos 14 horas de pernada.

A subida até o cume do Pelado foi a todo vapor levando apenas 1:30. De praxe tiramos algumas fotos e descemos até a Cachoeira Dourada para enganar o estômago e descansar um pouco.

A partir desse ponto a coisa começou a pesar, a Freeway não estava boa quanto imaginávamos e por muitas vezes perdemos o rastro da trilha. Logo levávamos um bom tempo até reencontrá-la e consequentemente perdíamos também as forças.

Passamos direto pelo Vale dos Ovos as 18:30 (sem parada nem para beber água), não queríamos correr o risco de descer pelo Pau do Maneco novamente a noite, como no outro ataque. Seguimos em um passo constante até o cume do Boa Vista.

Chegando nos campos o cenário era desolador, chuva e neblina que não dava para enxergar mais que 2 metros à frente. Um vento fantasmagórico que congelava até os ossos. Sem orientação alguma, apenas seguindo o capim amaçado eu sabia que não podia de forma alguma perder aquele rastro, tinha que ser totalmente certeiro a entrada da trilha que levava ao Olimpo.

Depois do cagaço para passar aquele campo, encontramos um buraco mais protegido e resolvemos ligar para o Leandro que estava em Curitiba. Ele a ponte de comunicação com o Juliano que estava no Marumbi. 

– “Blz Bolivia, estamos seguindo para o Olimpo agora, avisa o Juliano que estamos caminhando bem devagar por causa da trilha encharcada e não temos ideia da hora que vamos chegar, mas que está tudo bem”.

Era para  ser uma caminhada tranquila até o cume do Olimpo, mas infelizmente a trilha estava horrível, não conseguimos nos orientar e levamos 1:30 para chegar até a caixa de livro do Olimpo. Depois de muito perrengue e várias erradas, não teve jeito, tive que tirar o ponto do GPS e jogar na carta.

Eram 9:30 da noite quando começamos a descer o Olimpo, colocamos todas as roupas quentes que tínhamos disponíveis, estávamos esgotados, eu não acreditava que tinha mais dois cumes pela frente, meus pés estavam completamente inchados, o joelho do Alisson parecia uma batata, ele andava parecendo com o Bito com a perna dura.

Cume do Gigante, cume da Ponta do Tigre, Vale das Lágrimas, cada lugar que passávamos eu dizia pra mim mesmo:  “bora Preto, força agora até o cruzo do Abrolhos que o próximo ponto de referência”.

Eu nunca tinha atingido um nível de cansaço como aquele e minha maior preocupação era se um de nós se machucasse, porque ai sim a merda estava feita, muito bem feita. Como poderíamos nos ajudar, se os dois estavam em um estado lastimável?

Em um certo momento o Alisson continuou descendo e eu fiquei sentado com os pés para cima para aliviar a dor, não demorei muito e voltei a caminhar. Logo a baixo quando iluminei vi o Alisson parado e perguntei: ” tudo bem Pia”, ele não respondeu, perguntei novamente:  “tudo bem Alisson, fale alguma coisa”, sem resposta desci mais rápido para chegar até ele e quando me aproximei percebi  que na verdade não era o Alisson e sim uma árvore com uma fita refletiva, nesse momento constatei que realmente eu estava precisando terminar aquela travessia e descansar o mais rápido possível.

Chegando na vila do Marumbi vimos duas lanternas, quando cruzamos com os dois pontos de luz., percebemos que era o Juliano e o Xandão. Estavam subindo atrás da gente, isso era 2 horas da manhã e esse foi o horário limite que os dois deram para a nossa chegada. Isso é a família NNM.

Nunca fiquei tão feliz em ver a cara daqueles dois, a travessia Alfa Ômega de ataque descendo pela Noroeste tinha acabado. Foram 27 horas de caminhada com paradas apenas para comer e se hidratar, 13 cumes e dois caboclos extremamente cansados, este foi o resultado da ideia retardada que tivemos.

Sem sombra de dúvidas foi a coisa mais desgastante que já tinha feito na vida, o Alisson foi um companheiro fantástico, a parceria, a técnica, o psicólogo e o entrosamento que tivemos nessa travessia é resultado de muitos e muitos anos de perrengue juntos.

É claro que a união e comprometimento que os integrantes do Nas Nuvens Montanhismo tem uns com os outros é fundamental para que uma porrada dessa seja realizada com sucesso e uma certa segurança.

Obrigado Bolivia pelo apoio e comunicação, valeu Michelle por pegar pesado comigo nos treinos, muito obrigado Juliano e Xandão pelo empenho de toda logística, resgate e preocupação.

Alisson, grande parceiro.

Vida longa NNM !!!!!!!

Inicio da manhã no vale entre o Sem Nome e os Alvoradas

Inicio da manhã no vale entre o Sem Nome e os Alvoradas

Descida do Alvorada onde conseguimos contato com o Juliano

Descida do Alvorada onde conseguimos contato com o Juliano

Alisson todo animado

Alisson todo animado

Cume do Pelado

Cume do Pelado

Um lanche rápido na Cachoeira Dourada

Um lanche rápido na Cachoeira Dourada