Dobradinha na Pedra do Camelo – Pancas – ES
Acordei assim que o sol nasceu, coloquei a cara para fora da barraca e ainda caia uma chuva fina lá fora, com um tempo daquele não adiantava levantar cedo, o melhor era descansar.
Já passava do meio dia quando resolvemos arrumar a mochila, tomar café e pegar a trilha até a base da via. Estávamos instalados no Camping Cantinho do Céu em Pancas, lugar muito agradável e com toda a estrutura que precisa para passar vários dias escalando naquela região. Do camping até a Pedra do Camelo onde seria nossa escalada, a caminhada deve levar uns 20 minutos até chegar na base das vias.
Passava um pouco da 1h da tarde quando comecei a escalar a via Paranauê, 5°VI E3 D1, 335 metros, escalada de boa aderência que tem início dentro de uma canaleta, 6 enfiadas de muita aderência.
Empolgados para escalar e contentes da pedra estar seca depois de tanta chuva, eu e a Michelle subimos revezando as enfiadas, em menos de 2 horas finalizamos a escalada que acaba na crista da Pedra do Camelo.
O rapel pela mesma linha da via não tem segredo, quase que uma reta, e no máximo em 1 hora estávamos no chão novamente.
Faltando umas 2 horas para o sol se pôr resolvemos escalar mais uma via. Uma boa opção era a via Boas Vindas, 3° IV E1 D1, 460 metros, que ficava alguns metros a nossa esquerda, escalada com 8 enfiadas com uma graduação bem tranquila, e que na teoria conseguiríamos finalizar antes de anoitecer.
Escalamos em simultâneo as primeiras enfiadas para ganhar tempo, a partir da 4 enfiada a rocha não estava tão seca e achamos mais prudente dar segurança um para outro e evitar algum incidente.
Na penúltima enfiada era a vez da Michelle guiar, pegou as costuras, cópia do croqui e saiu, o sol nessa hora já tinha se escondido no horizonte, mais ainda tinha luz o suficiente para não precisar usar a lanterna.
Vendo a Michelle ganhar altura cada vez mais perguntei.
– Michelle, não era para vc ter protegido ainda?
– Eu sei, só que até agora não achei grampo nenhum!
– Você está enxergando bem, pois eu já não consigo ver muita coisa.
– Acho que estou vendo alguma coisa ali na frente. – indagou ela continuando a subida.
Quando chegou na metade da corda gritei, ” – já foi 30 metros de corda, acho que você perdeu a linha da via”. Nessa hora ela parou em um pequeno platô e colocou a lanterna, ” – Natan, vou tocar mais para a direita para ver se acho alguma coisa” – gritou a Michelle.
A medida que aquela corda ia subindo a minha agonia ia aumentando, eu não parava de dar corda e não via ela proteger em nada, a noite já avia nos alcançado, e achar grampo P na rocha escura, a noite, era um trabalho um pouco complicado.
Quando acabou a corda gritei para aquele pontinho de luz lá em cima, ” – Michelle, acabou a corda, tem algum platô seguro para você ficar?”, com a maior tranquilidade ela respondeu, ” – tem sim, vou até lá” – respondeu.
Desmontei a equalização onde dava segurança e comecei a escalar com todo o cuidado, nós dois estávamos soltos na parede e eu não podia cometer nenhum vacilo, uma escorregada minha que acabasse puxando a Michelle, poderia levar os dois a uma queda de mais de 300 metros.
Eu devia ter escalado uns 5 metros mais ou menos quando escutei – “Achei a parada Natan, fique aí parado que vou escalar até lá”. Eu em uma posição meio ruim fiquei imóvel só vendo a corda subir e o ponto de luz lá em cima se mexer. Quando pensei em me ajeitar para ficar em uma posição mais confortável escutei novamente – “Na minha Natan! já estou na parada, espere um pouco que vou fazer a segurança para você”. Graças a Deus, estávamos seguros novamente.
Escalei o mais rápido que consegui até chegar na Michelle, minha preocupação agora era outra, a chuva.
Só faltava uma enfiada de 60 metros para finalizar a via. Sai para guiar a última enfiada muito concentrado para não perder a linha da via naquela escuridão. Esse último trecho era bem fácil, por isso tinha poucas proteções, dificultando a orientação.
Apesar da chuva estar se aproximando, achei melhor finalizar a escalada e depois rapelar pela via Paranauê, essa estratégia seria melhor do que rapelar pela via Boas Vindas, a Paranauê além de ter menos rapeis, a linha de descida era mais reta e óbvia.
Via finalizada com sucesso, meia dúzia de fotos e logo começamos nosso rapel, pois o clarão dos raios estavam cada vez mais próximos da gente.
Tantas escaladas e rapeis que já fiz com a Michelle que nossa afinidade e agilidade na parede fluía bem, em pouco tempo finalizamos todos os rapeis e já estávamos com as mochilas nas costas descendo na corrida para escapar da chuva.
Mesmo com um tempo curto conseguimos escalar duas vias, ganhar 795 metros para nosso projeto e voltar em segurança para o camping. Chegamos secos, a chuva chegou uns 10 minutos depois que abrimos nossa primeira cerveja gelada da noite.