Via Los Encardidos – 7a VIII A1 D4 E3 – Marumbi
As escaladas no Marumbi são duras e exigentes, uma ou outra via que chamamos de “porta de entrada” pode ser mais tranquila. Acesso difícil, no mínimo cansativo. Escaladas que até podem ter uma graduação baixa, mas o acesso e a localização tornam toda a atividade exigente.
Ai tem aquelas vias icônicas … lendárias, e a via Los Encardidos na Torre dos Sinos é uma delas. Via conquistada em 1990 por José Luiz Hartmann (Chiquinho), Julio Nogueira (Julinho), Fabio Szezesniak, Domingos Alvares e Antonio Carlos Meyer (Bito), abriram um linha incrivel na fase norte da montanha. Escalada de 465 metros, graduada 7a VIII A1 D4 E3. Sistemas de fissuras, diedros, aderencia e muita peça móvel, deixa essa linha perfeita para quem gosta de uma via dura e um bom perrengue.
Eu já vinha namorando essa via a muito tempo, mas sempre tinha um motivo para não entrar, mas dessa vez com a parceria certa, e com as condições de tempo perfeita, conseguimos entrar na via.
Não é de hoje que venho escalando na parceria do Juliano e do Cruel, escaladores bem experientes que conheço a muitos anos. Parceria forte que no ano passado concluímos a Travessia Mista Mar de Caratuvas x Tucum, travessia dura e exigente que nos premiou com o Mosquetão de Ouro 2022 na categoria montanhismo.
A labuta começa cedo, às 3 da manhã iniciamos a caminhada saindo da vila do Marumbi seguindo em direção ao Vale da Oeste. A noite gelada me obrigou a sair com algumas camadas de roupa, mas em pouco tempo de caminhada, somada a tensão, acabou me obrigando a ficar somente de camiseta. A subida tentava me distrair batendo papo furado com a piazada, mas logo nos concentramos na aproximação e seguimos até a base da via.
“Que horas Cruel?”, perguntei para ele que estava ao meu lado enquanto o Juliano limpava a sapatilha para entrar na parede. “5:30 Criolo!”, ali começava nossa escalada que duraria muitas horas na parede.
Optamos em cada um levar sua mochila, independentemente se iria guiar ou não. Roupa, quase 3 litros de água para cada escalador, comida e algumas coisas pessoais era mais do que o suficiente para passar o dia escalando.
1° Enfiada
Juliano foi o primeiro a guiar, mesmo a noite, escalar na aderência é passeio pra ele. Em poucos minutos escutei um grito “Na minha!”. Cruel já pronto, também seguiu a linha da corda e eu só precisava arrumar as últimas coisas dentro da mochila.
Enfiada de aderência com uma barriguinha com lances de agarra.
2° Enfiada
Juliano puxa essa outra enfiada novamente, seguindo o mesmo estilo da primeira, vejo a lanterna subir em direção a vegetação. Logo chegando na P2 escuto um “Caralho …” e mais alguns palavrões. Logo avisa que está em auto segurança na parada. Quando chego no final da enfiada o Juliano me alertou, “não se apoie nessa pedra, ela está solta!”. A curiosidade é uma merda, fui lá mexer na pedra para saber o quanto estava solta. “Foi por isso que vc estava xingando Juliano?”, perguntei enquanto cutucava mais um pouco a pedra solta. Chegamos a conclusão que a pedra apresentava um risco muito grande e não dava para deixar ela solta daquela forma. O Juliano sem querer quase mandou ela para baixo quando se apoiou. Sem nada de esforço mandamos o pedregulho de quase meio metro de diâmetro para o fundo do vale. O barulho do projetil quando atingiu o fundo do vale, talvez desse pra ter escutado da estação. Ficamos pensando como seria se isso tivesse acontecido durante o dia em um final de semana com escaladores circulando lá embaixo.
3° Enfiada
Enfiada curta e bem esportivo com agarras. O crux fica te jogando para fora da parede, mas com um lance bem bonito em oposição. Seguindo a corda fixa a direita, mais alguns metros dá para ficar em um platô bem tranquilo onde inicia a próxima enfiada.
4° Enfiada
A parede começa ficar mais vertical. Inicia com chapas e segue na linha da primeira fissura. A saída dessa fissura para a direita é um lance bem ruinzinho e logo acima volta a entrar em outra fissura um pouco melhor.
5° Enfiada
Estávamos em uma parada bem ruim, nada confortável para ficar pendurado. A linha segue beirando, depois uma pequena transversal a esquerda seguindo a linha de chapas até ficar embaixo do pequeno teto. Na verdade precisa passar dois tetinhos, mas o segundo é bem pior … nada que algumas quedas e tentativas não resolva o problema.
6° Enfiada
Uma saída esquisita, uma fenda meio que diedro negativo. Achei bem estranha a movimentação até chegar na virada para a esquerda. A virada foi mais fácil fazer do que chegar até ela. Depois segue em uma fenda suja e ruim até chegar no mato e logo em seguida um platô com a parada.
7° Enfiada
Uma fissura linda, com proteções fáceis e solidas. Mais no final da fissura levei um tempo para entender que era melhor escalar em diedro e sair para esquerda, antes disso tentei tocar pela direita e quase me ferrei.
8° Enfiada
Outra enfiada de fissura, essa na verdade achei a enfiada mais difíceis de todas. Proteção móvel ruim e bem vertical. Mas no final da enfiada o Juliano quase meteu a mão em um escorpião que estava dentro de um buraco que servia de apoio.
9° Enfiada
Se não me engano são 20 chapas fixas. Não vai nenhuma proteção móvel. Enfiada longa, muita aderência, pequenas agarras e no meio dela uma certa dúvida por onde tocar, alguns vai e vem de um lado para outro tentando achar a linha correta da via. No final uma corda fixa nos últimos metros para acessar a parada dupla.
10° Enfiada
Já no final do dia, estávamos cansados e o sol estava querendo se esconder no horizonte. O diedro de mato, que de mato não tem mais nada, é longo e bem vertical.
Olhando de baixo parece que vai ser um artificial tranquilo, mas não é. Entrei nessa enfiada quando fiz o Paredão Norte e já sabia que seria mais uma enfiada cansativa.
Finalizamos esse trecho no cair do dia, dali pra frente somente com a lanterna.
11° Enfiada
A sol foi embora e levou o calor junto, a noite trouxe frio e vento para ajudar. Era a minha vez de guiar e eu estava bem cansado naquela altura do campeonato. Já no inicio da escalada tomei algumas quedas até entender como passar o movimento. Um pouco mais a cima tive que abandonar a minha mochila na costura para conseguir escalar melhor. Um lance mais duro que o outro, sempre seguindo a direita. Depois de chegar na próxima proteção, retornava na anterior para resgatar minha mochila. Assim fui ganhando altura até chegar no Platô da Onda onde avistei o sino.
Depois de reunir o trio no Platô da Onda, chegamos ao consenso que não era o momento de seguir em frente. As condições não estavam muito favoráveis a seguir adiante, achamos mais prudente em baixar dali mesmo. Já passava das 8 horas da noite e tínhamos muitos rapeis até chega no fundo do vale.
Seguindo a direita e trepando em um bloco de pedra vai encontrar a parada dupla nas suas costas. Dali para baixo é uma linha meio que reta de rapeis.
Uma sugestão boa que nos deram e ajudou muito, da P9 para a P8, assim que começar a fazer o rapel, bater uma costura na esquerda para ajudar a rapelar naquela direção. Se não fizer isso, o rapel vai ficar jogando para a direita e vai te afastar muito da parada que fica bem a sua esquerda.
Descemos com todo o cuidado, a noite e cansados depois de passar tantas horas na parede, a atenção tem que ser redobrada. Por volta da 1 hora da manhã estávamos no fundo do Vale da Oeste, cansados, mais seguros e muito contente com a linda escalada que acabamos de fazer.
Escalada dura e bem exigente, a parceria foi fundamental para dar tudo certo, mas acho que pecamos no peso. Valeu a parceria Piazada, linda escalada!