Atendendo um pedido no Pico Paraná.
Vitamina, vulgo Henrique Schmidlin, é uma das maiores referências de montanhista pra mim, em todos os sentidos. A muito anos se tornou um amigo, além de me orientar muitas vezes nos projetos e na parte política da montanha. Dulci, sua esposa, sempre muito atenciosa comigo em todos os momentos que nos encontramos. Casal que conheço há muitos anos e tenho o prazer de ter como amigos.
No último encontro que tivemos em Morretes, Dulci me incumbiu de uma tarefa que fiquei extremamente honrado em fazer pelo casal, levar as cinzas de sua filha Lucia Schmidlin (Lucinha), para ser lançada na montanha. As cinzas deveriam ser lançadas do cume das duas montanhas que Lucinha gostava muito, Pico Paraná e Marumbi.
Não para de chover já faz mais de um mês, e sem previsão de melhora. Resolvi cumprir a tarefa no final de semana seguinte ao pedido da Dulci. Convidei o amigo Julio Cesar Fiori que trouxe junto outros dois amigos, Johny e o Maycon, também conhecido como RPC.
Já no inicio da caminhada Fiori fez mais uma tentativa, “Poxa Negão, não podemos marcar para outro final de semana com sol?”. Respondi sem parar de caminhar: “Essa tarefa já vem sendo adiada a tempos e missão dada é missão comprida!”
Os quatro caminhando na trilha pareciam mais um quarteto de fofoqueiras, não lembro de algum momento que teve silêncio durante a caminhada. Por todas “janelas” que passamos o tempo estava horrível, variando entre neblina, janela de céu azul e chuvisco, sem contar o frio que fazia. Depois que passamos o Abrigo 1 já não tinha mais volta. Dali para frente o final seria somente o cume do Pico Paraná.
Chegando ao cume, pelo menos não chovia, só a neblina que tomou conta do lugar.
Quando lembrei o motivo de estar ali naquele dia, tive um momento quieto assim como meus companheiros. Estava feliz por realizar um desejo da Dulce e do Vitamina, mas ao mesmo tempo triste pela situação.
Meu convívio com a Lucinha não foi por muito tempo. Não me recordo ao certo o ano, mas lembro que era no final dos anos 90 que eu frequentava quase todo final de semana o Marumbi, conheci a menina alegre e divertida que era. Algumas caminhadas, algumas horas sentados na mureta da estação Marumbi conversando sobre qualquer coisa. Uma época em que a palavra “morte” não fazia parte do nosso vocabulário.
Maycon, cenegrafista profissional que era, ficou de longe fazendo as imagens da ocasião, enquanto eu, Fiori e Jonhy subimos na pedra do cume para lançar as cinzas assim como Dulce queria.
Não é de hoje que já deixei avisado meu filhos e familiares, quando chegar a minha hora, se acontecer na montanha com grande dificuldade de retirar de lá, podem ficar tranquilos, é por lá que vou querer ficar mesmo. Caso tenha a possibilidade de ser cremado, minhas cinzas devem ser jogadas do cume do Abrolhos no Marumbi, pois essa montanha foi a minha primeira e será minha última.
Descemos quase que sem pausas, o frio e o corpo úmido não é uma boa combinação, principalmente por estarmos com um idoso no grupo (kkkkkk, desculpe Fiori, não podia deixar passar kkkkkk).
Na estrada a caminho de casa, Dulce foi comunicada que tínhamos realizado seu pedido, e posteriormente o material registrado lá de cima, seria entregue à família.