Sempre vale a pena! – Meia Lua
Com a mochila pronta para escalar, estava esperando a confirmação do parceiro que tinha combinado o encontro logo cedo. Uma hora depois sem resposta tive a certeza que fiquei na mão. A previsão não estava das melhores, mas algum sol teria durante o dia, e ficar sem ir para montanha não era uma opção. Retirei todo o equipamento de escalada separado e peguei somente o que precisava para caminhar. Nem sabia ao certo para onde eu iria, mas qualquer montanha na região do Ibitiraquiri já estava de bom tamanho.
No caminho lembrei de uma montanha que eu não conhecia, pelo menos não lembrava de ter subido até aquele momento. O cume do Meia Lua entre a montanha Cerro Verde e Luar me parecia uma boa opção de caminhada.
Sem pressa, iniciei a subida na Fazenda da Bolinha já era as 11:30 da manhã. Eu já sabia que tinha compromisso no retorno e não poderia faltar ao aniversário do meu filho mais velho Gabriel, que comemoraria seus 27 anos nessa noite com toda a família … logo, eu tinha que estabelecer um horário limite para voltar e não se atrasar para o evento.
Com a playlist somente com blues no fone de ouvido, mochila com o básico e focado para não escorregar naquela trilha encharcada, mantive um ritmo constante apesar do dia abafado e muito quente.
Pela quantidade de carros que tinha na fazenda já dava para perceber que não encontraria quase ninguém na trilha. Três conhecidos durante toda a caminhada, um antes do primeiro cruzo, o amigo Eriston na base da rampa do Camapuam e o Erminio logo após do cume do Tucum.
Caminhar sozinho não deixa de ser uma boa terapia. Várias horas caminhando dá para avaliar muita coisa, planejar projetos novos, tentar solucionar problemas … enfim, nada como algumas horas de vc com vc mesmo.
A trilha sem segredos e bem evidente não precisou de uma atenção especial para saber por onde eu devia seguir, de vez em quando é bom caminhar somente pelo exercicio fisico sem cuidar com orientação, planejamento ou qualquer coisa que demende um esforço mental. Só precisei me concentrar e cuidar um pouco mais chegando próximo ao Meia Lua. Teoricamente devia ter alguma trilha que acessasse, mas achei melhor seguir a minha estrategia de chegar no campo no ponto mais alto antes de voltar para a floresta e varar mato até o cume.
Depois de sair da trilha principal e acelerando o passo para chegar no cume antes da chuva me pegar, não precisei varar muito mato até encontrar um rastro de trilha no campo seguinte ao vale que passei. Uma trilha até bem visível foi o suficiente para eu chegar ao cume do Meia Lua às 16:30. Tirar algumas fotos, comer e me preparar para a chuva forte que se aproximava rapidamente. O cume não era agradável, uma pequena pedra para largar as coisas e um visual diferente era o que tinha … mas como eu estava ali pela caminhada, já tinha ganho o dia.
Sai do cume com as primeiras gotas de chuva caindo sobre o anoraque. Achei melhor sair do campo o mais rápido possível, não sabia o quanto de raio estaria acompanhando aquela cortina de água que, naquele momento, estava atrás do Tucum.
Caminhei o mais rápido que podia, tentando seguir o caminho que eu tinha feito, mas é claro que rapidamente perdi o meu próprio rastro e tive que varar mais um pouco de mato antes de encontrar a trilha principal e correr para fora do campo. Essas horas do campeonato a chuva já tinha me pego com toda a força e a temperatura também caiu rapidamente.
Seguindo a trilha e entrando dentro na mata fechada, eu já não corria mais o risco de levar um raio na cabeça. Mesmo estando bem à vontade na região, eu tinha que lembrar que estava caminhando sozinho e qualquer problema que eu tivesse seria um problema muito grande, principalmente sem ninguém saber para onde eu tinha ido.
Escutando o som da chuva e com muito frio nas mãos, lembrei da minha cama quentinha e macia que eu tinha abandonado hoje pela manhã. Lembrei o quanto eu relutei em sair de casa depois que percebi que tinha levado os “canos” para escalar. Eu já não tinha mais compromisso com ninguém. Não estou treinando para nada específico. A previsão do tempo não era nada favorável. Eu tinha compromisso à noite. Porque sair de casa?
Pela manhã senti a preguiça tomando conta de mim. A preguiça ainda não tinha ido embora, mesmo já estando na padaria tomando café. Mas aí lembrei: não temos ganho sem sofrimento.
Minhas maiores experiências, meus maiores aprendizados, momentos únicos, situações que se eternizaram em minha memória … nada disso aconteceu no conforto e na segurança.
Estava na base do Tucum para enfrentar a pior subida da caminhada, a chuva ainda caía forte sobre a toca do anoraque e o som da chuva forte era a única coisa que me acompanhava. Retornei ao meu momento filosófico “… não temos ganho sem sofrimento…”. Não tinha como eu não fazer uma analogia dessas situações da montanha com o cotidiano da vida. Nesse momento um sorriso de canto de boca foi involuntário e a lembrança de um plano muito audacioso e arriscado estava por finalizar … e com um resultado melhor do que o esperado. Nesse exato momento, paro para recuperar o fôlego e olho ao meu redor. Eu estava finalizando a subida desgastante do Tucum e na minha frente uma cena que até hoje eu ainda não tinha presenciado. Um arco íris completo, de ponta a ponta, com as cores bem vivas e inconfundível. Uns podem dizer que foi sorte, outros que foi o acaso, alguns poderiam dizer que foi um sinal, mas uma coisa é certa … “sempre depois da tempestade vem a calmaria”.Não escrevi as regras, só entendi e aprendi com elas.
Aproveitei aquele momento por alguns poucos minutos. Momento único, não sei se exclusivo, mas durou o suficiente para reafirmar algumas crenças e teorias que tenho.
Olho para o relógio do celular e volto a realidade, 17:45 h, eu precisava agora me concentrar e acelerar o passo, ainda tinha um compromisso a noite. Desci a trilha no trote, mesmo a noite e com outra pancada de chuva nas costas, consegui chegar na fazenda às 19:35 finalizado uma caminhada que foi muito mais gostosa do que eu imaginava.