Escalar pelo prazer ou pelo grau ?
Texto de Rui Paulo.
Aos iniciantes,
Escalar pelo prazer ou pelo grau ? Uma abordagem filosófica e descontraída.
Epicuro de Sanos (em grego antigo Ἐπίκουρος, Epikouros, “aliado, camarada”) foi um grande filósofo que viveu em 341 a.C e preconizava que, para sermos felizes, ou melhor, para termos uma vida gratificante, deveríamos viver dedicados ao prazer o máximo que pudéssemos.
Esse pensamento foi mal compreendido por alguns durante muito tempo e ainda hoje o é para a maioria.
Pois, então, é muito simples, pensamos: é só nos deliciarmos com as luxúrias mundanas, nos afogarmos em bebidas e pratos saborosos que nos agradam o paladar, nos entregarmos ao sexo desregrado e descriterioso, a roupas caras, carros luxuosos e por aí vai…
Entretanto, Epicuro se tornou impopular ao afirmar exatamente o contrário: devemos, sim, viver pelo prazer, mas o prazer advindo das coisas simples da vida.
Foi isso que provocou estarrecimento e exigiu explicações.
E ele esclareceu:
“É óbvio que, se você consegue sentir prazer tomando um copo d’água pura e fresca, você terá muito mais momentos de prazer, de vida boa, porque é fácil adquirir um copo d’água pura e fresca. Já se você é do tipo que só reconhece esse mesmo êxtase tomando uma taça de vinho Chateau Leoville Las Cases St. Julien, envelhecido, seus momentos de vida boa serão provavelmente mais difíceis de ser obtidos, portanto, mais inusitados.”
Epicuro escalador de montanhas ?
Epicuro talvez não escalasse montanhas na Grécia antiga (ainda que elas fossem abundantes e belas à época), uma vez que não há relatos sobre tal fato e também porque ele tinha uma saúde debilitada.
Porém, usemos de nossa massa cinzenta e esqueçamos a falta de contemporaneidade entre nós e o filósofo em questão. Imaginemos, então, um Epicuro magrinho, definido como todo bom escalador e barbudinho como todo bom grego filósofo o era.
E essa figura, um tanto peculiar, discursaria ali mesmo, ao pé da montanha, logo antes de começarem a escalar.
Diria, então, o nosso Epicuro escalador sangue bão :
Meus brothers, é notório que sentimos o nosso ânimo exaltado e a alegria nos transborda escalando vias de baixa e moderada graduação, e, ao conseguirmos repetir tais graduações de vias em diferentes tipos de rocha em lugares distintos, conhecendo novas pessoas, descobrindo novas culturas e novos pensamentos, temos, assim, muitos momentos de vida boa.
Qual seria, então, a necessidade extraordinária de nos focarmos em um único lugar, em uma única via, com o mesmo tipo de rocha e afins ? Somente para aumentarmos de imediato o nosso grau ?
Que esse grau ampliado nos fará felizes momentaneamente, é verdade, mas será cada vez mais difícil aumentá-lo ainda mais ou simplesmente repeti-lo, ratificando, assim, que nossos instantes de vida boa, de prazer escalando se tornarão cada vez mais raros, mais escassos.”
E eu penso que esse mesmo Epicuro escalador moleque doido das montanhas não gostaria que fôssemos medíocres, que não tivéssemos ambição e que não pretendêssemos evoluir ou, simplesmente, que não nos agraciássemos ao assistir alguém dedicado mandar uma via de grau elevadíssimo.
O pensamento epicurista talvez meramente peça, com exceção do âmbito esportivo competitivo, quem sabe, que possamos evoluir, sim, mas com naturalidade, com fluidez, sem deixarmos de nos deliciar com cada momento, paisagem, vento que nos assopra, cigarras e pássaros que ouvimos cantar ao longe.
Ou, simplesmente, com cada centímetro de montanha que ascendemos.
A vida boa é coisa rara, amigos. E nós, escaladores de montanhas, sempre encontramos um jeito de reproduzi-la quando desejamos.
Que nos habituemos, então, a usar de ainda mais sabedoria, assim como alguns filósofos da Grécia antiga, e encontremos um compasso, um ritmo que beire a perfeição, e, assim, possamos aumentar o nosso grau na mesma medida e proporção em que continuamos tendo uma vida boa e prazerosa enquanto escaladores de montanha.
Amém.
Texto de Rui Paulo, escalador, formado em educação física e trabalha como Personal trainer na região metropolitana da cidade de São Paulo.
Hummm….
Cada um sente prazer por onde dá…
:p 😀